Resenha de artigo
Luciano
Pimentel da Silva[2]
Segundo o cálculo dos geógrafos, a fronteira
Brasil-Uruguai, da foz do arroio Chuí no Oceano Atlântico até desembocadura do
rio Quarai, se estende por 1300 quilômetros. Do lado brasileiro,
encontram-se os municípios de Uruguaiana, Quaraí, Livramento, Dom Pedrito,
Bagé, Erval, Jaguarão e Santa Vitória do Palmar. Do lado uruguaio estão os
departamentos de Artigas, Rivera, Cerro Largo, Treinta y Tres e Rocha.
Fronteira Brasil-Uruguai |
É a maior fronteira povoada do Brasil, que geograficamente
favoreceu a aproximação entre os dois países, avançando muito mais do que a
fronteira. É o caso dos municípios como Rosário do Sul e Alegrete no Brasil e
Tacuarembó e Salto no Uruguai. Toda linha fronteiriça tende a estabelecer laços
muito íntimos entre os cidadãos de uma e outra banda. Os rios Quaraí e
Jaguarão, que servem de linhas divisórias entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai,
apresentam numerosos passos vadeáveis. Nos demais pontos, a linha divisória foi
traçada ao longo de pequenos arroios, coxilhas (Livramento) ou de linhas
convencionais traçadas a régua sobre o mapa (entre Aceguá e o arroio da Carpintaria).
Nestas
condições o resultado final foi o surgimento de uma área de intensa interação econômica,
social e cultural entre os dois povos, onde a própria literatura começa a
reconhecer a presença de uma terra só.
Penetração brasileira no território uruguaio - Portugal amplia suas fronteiras
Ao
longo dos séculos 17 e 18, portugueses e espanhóis estiveram em diversas
ocasiões brigando militarmente pela guarda das possessões do Novo Continente. No território platino
não foi diferente. Os espanhóis não souberam conservar sua guarda avançada que
foram as missões jesuíticas, e, no território gaúcho, entregaram sua conquista
do porto marítimo na cidade de Rio Grande em 1776. Assim como não conseguiram
fazer respeitar a fronteira traçada pelo Tratado de Santo Idelfonso em 1777.
Linha definida pelo Tratado de Tordesilhas, segundo vários cartógrafos |
Em
1801 foram empurrados em todas as frentes, permitindo que a divisa se transferisse
do Taim para o Chuí, do Piratini para o Jaguarão e da Coxilha Grande para os
Cerros do Jarau.
Os
capitães generais do Rio Grande do Sul fizeram doações de sesmarias na região
que hoje integra o departamento de Artigas, entre os rios Quarai e Arapeí. Tal
região, transitoriamente, pertenceu ao Rio Grande do Sul.
Tratado de Santo Ildefonso (1777) |
A
eclosão da Revolução Farroupilha determinou o deslocamento de muitas famílias
brasileiras para o território uruguaio. Quando se aproximava o fim da
insurreição farroupilha, eclodiu no Uruguai a chamada “guerra grande”, entre
partidários de Rivera e de Oribe. O Uruguai viveu momentos de intranqüilidade
pelo menos até 1851. A
partir deste momento as charqueadas criaram condições para se desenvolver, o
que acabou se tornando uma das principais alavancas econômica do estado sul-rio-grandense.
O comércio de gado realizado entre as duas nações encontrou um escoadouro
natural.
Em
1850, o governo imperial solicitou aos comandos da Fronteira um levantamento
dos estancieiros brasileiros estabelecidos no Uruguai. O comandante de Jaguarão
apresentou a relação de 35 fazendeiros que, no conjunto, eram proprietários de
342 léguas quadradas, somente na região adjacente à lagoa Mirim e Chuí. O comandante de Jaguarão apresentou a relação
de 154 estancieiros, estabelecidos nos atuais departamentos de Treinta y Três e
Cerro largo.
O
comandante da fronteira de Bagé apresentou relação de 87 fazendeiros com
propriedades de 331 léguas no seu montante no departamento de Serros Blancos.
Já o comandante da fronteira de Quarai e Missões apresentou relação de 238
nomes, não informando a quantidade em léguas conjuntas das propriedades.
Em
1862, segundo denúncia de um deputado oriental, os brasileiros possuíam no país
perto de 4.000 léguas, quase o equivalente à metade do território do Uruguai,
ou seja, cerca de 40% das terras do Uruguai pertenciam a brasileiros que
moravam tanto de um lado quanto do outro lado da fronteira. A presença
brasileira se tornou tão expressiva no Uruguai que em 1863, numa população de
180.000 habitantes, havia cerca de 40.000 brasileiros.
As
terras que pertenciam aos estancieiros do Brasil alojados no Uruguai começaram
a ficar valorizadas. Esta migração em muito se deve ao fato da introdução de
muitos escravos negros em todo o norte da república, mantida até 1848, quando o
país platino baniu os últimos vestígios de escravismo. Mesmo assim o
contrabando continuou com a introdução de escravos.
A ação do comércio de Montevidéu sobre a fronteira brasileira
Se
a penetração brasileira no Uruguai se fez através da aquisição da propriedade
imóvel e do estabelecimento de fazendas de criação, a resposta uruguaia se
processou através do dinamismo comercial e viário a partir do porto de
Montevidéu.
Dono
de um bom porto e na boca de uma bacia hidrográfica, Montevidéu se especializou
desde cedo no comércio de trânsito. Por ser um país de população escassa e de
reduzido mercado consumidor, era fundamental negociar com os países vizinhos.
Fronteira Brasil-Uruguai |
O
Uruguai se tornou um tradicional intermediário de produtos europeus para o abastecimento
de argentinos, brasileiros, paraguaios e até bolivianos. O mesmo Porto de
Montevidéu servia de escoadouro para as exportações do oeste e sudeste
rio-grandense, do Paraguai e de algumas províncias argentinas. Até a década de
vinte do século passado, os saladeiros de Quarai, Uruguaiana e Itaqui mandavam
seus produtos, para o próprio Brasil, através do porto de Montevidéu.
Inicialmente,
esse comércio de trânsito tinha por base a navegação do rio Uruguai. Mais
adiante, a navegação seria substituída pelas estradas de ferro. O trem se
desenvolveu mais rápido no Uruguai. Em 1887 a Ferro-Carril Noroeste del Uruguay foi
concluído, estabelecendo a famosa linha BGS até Uruguaiana, a linha férrea uniu
estas cidades fronteiriças. Somente 20 anos depois é que Uruguaiana teve sua
estrada de ferro ligando a Porto Alegre.
Interação econômica
Brasil e Uruguai aprenderam muito cedo que a prática
de uma economia deveria ser solidária. As barreiras fiscais jamais conseguiram
disciplinar estas “negociações”. O contrabando era hostilizado brandamente pelos governos e combatidos
pelas praças comerciais que ele prejudicava. Mesmo assim sobreviveu a todas as
perseguições.
Sem dúvida temos aí a importância da Colônia do
Sacramento, importante entreposto português fincado as margens do Rio da Prata.
Por ser uma área de disputa pelos dois países ibéricos, diversos changadores e tropeiros cruzavam esta
região, contribuindo em muito a existência inicial do Continente do Rio Grande,
o que mais tarde seria o atual estado brasileiro do Rio Grande do Sul.
Colônia do Sacramento (1680) |
Com o
advento da indústria do charque em Pelotas, os estancieiros estabelecidos no
leste do Uruguai foram tentados a levar suas tropas de gado em pé para Pelotas
por ser o centro consumidor mais próximo. Os focos de vigilância política
contra o contrabando foram invariavelmente os portos do litoral rio-grandense –
Porto Alegre e Rio grande – que em vão se esforçavam para cercear a penetração
de mercadorias importadas através de Montevidéu.
O
fisco nunca funcionou com deveria nesta região fronteiriça. As oscilações da
relação de câmbio entre as moedas dos dois países variavam nas cidades
limítrofes de acordo com a preferência dos consumidores. Conforme for mais
vantajoso comprar no Uruguai ou no Brasil, a massa de consumidores se desloca pra
lá ou pra cá, inclusive mobilizando legiões de subempregados ou desempregados,
que se dedicam à tarefa de adquirir mercadorias no varejo e transportá-la para
outro lado da linha fronteiriça.
Interação política
Tradicionalmente,
o Rio grande do Sul foi o local de asilo para políticos em desgraça na
república vizinha, assim como o Uruguai para políticos brasileiros. Muito
uruguaios fugidos das lutas da independência de seu país se asilaram no Brasil.
Muitos inclusive se estabeleceram em definitivo. Após
a independência, Lavalleja e Rivera estiveram por um período estacionados no
Rio Grande do Sul. Lavalleja inclusive tinha ligações próximas com Bento Manoel
Ribeiro e Bento Gonçalves, influenciando na deflagração da Revolução
Farroupilha. A semelhança da formação sócio-econômica levou a uma fácil
identificação política entre brasileiros e uruguaios.
Os
brasileiros radicados como estancieiros no norte do Uruguai tiveram papel
decisivo nas lutas pós-independência uruguaio – movimento revolucionário de
Venâncio Flores (1864); Insurreição Blanca (1871). Em contrapartida os
uruguaios se fizeram presentes nas revoltas sul-riograndenses – Guerra
Federalista (1893); Revolta de 1923 - apoiando os políticos oposicionistas do
Rio Grande do Sul. Da insurreição brasileira de 1893, os caudilhos Gumercindo e
Aparício Saraiva participaram ativamente, ambos com precedentes em insurreições
uruguaias.
Na guerra
civil de 1923 no Rio Grande do Sul, tomaram parte vários uruguaios, como
Nepomuceno Saraiva, Julio de Barros, Spartano de Barros, Pedro Medina, Ramon
Silva.
Interação social
O contato intenso e cotidiano entre as duas
comunidades na faixa da fronteira levou a uma quantidade significativa de relações
matrimoniais entre indivíduos dos dois países. Raras são as famílias que tanto
ontem como hoje se conservem rigorosamente brasileiras ou uruguaias. Casamentos
binacionais aconteceram desde os tempos da Cisplatina e continuam a acontecer.
Quanto
ao proletariado rural da região fronteiriça, este sempre buscou trabalho onde
melhores condições se oferecessem.
Enquanto persistiu a escravidão no Brasil, os próprios escravos
transitaram pela linha da fronteira, conduzidos por seus senhores, muitos deles
estabelecidos tanto no Brasil como no Uruguai. Foi o gaúcho livre e vago que, transitando de um lado a outro da linha
divisória, tornou-se um agente vivo da interação entre as duas nacionalidades.
Interação cultural
No Brasil a linguagem coloquial dos brasileiros da
fronteira é apontada como marcadamente espanholada. A aproximação política,
social e econômica da região fronteiriça refletiu culturalmente. Identifica-se
aqui o fenômeno do bilinguismo uma modalidade híbrida e caricata do portunhol.
Esta
linguagem coloquial no Uruguai incorporou termos comprovadamente brasileiros,
como quitandeira (quitandera), moleque (muleque), facão (facón) jeito (yeito).
Inegável também foi a contribuição dos negros escravos nas orações de
benzeduras onde encontramos palavras de precedência brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário