quarta-feira, junho 29, 2011

Até o décimo quarto congresso, camarada!

A população brasileira acredita em algum tipo de superstição. Não sou deste grupo, felizmente, seja qual for, mas não se pode negar que, em geral, todos têm supertição. Alguns admitem, outros negam, muitos nem percebem que são supersticiosos. Na verdade quase todo mundo é supersticioso. Os treinadores de futebol são especialistas. Há um que adorava mostrar que o número de sorte dele era o 13. Ainda dentro das quatro linhas, quem nunca não viu os jogadores entrarem em campo somente com o pé direito? Os atletas ainda mais religiosos fazem o sinal da cruz toda vez que marcam um gol ou perdem uma chance clara. 

 


Tem aqueles que não pisam nas divisões das pedras das calçadas e não passam embaixo de escadada sob hipótese alguma. Sobra até para os pobres dos gatos pretos, que se algum deles passar na frente de alguém, estarão seriamente encrencados. Tudo isto não passa de exagero, fruto de um passado fortemente influenciado pela igreja católica. Mas alguns fatos são interessantes e merecem um pouco de atenção. Fatos que em sua totalidade são mera coincidência, mas que nos chamam a reflexão. É o caso dos Congressos dos partidos comunistas da ex-URSS e do Leste Europeu, durante boa parte do século passado.

O século 20 iniciou com uma série de revoluções populares. Foram movimentos que se propuseram questionar a sociedade de sua época, tendo um cunho político transformador, apresentando uma proposta alternativa ao modo de vida antidemocrática, capitalista  e injusta. Foram as revoluções socialistas que sacudiram a Rússia e depois se expandiram para todo a Europa Oriental. Houve grandes mudanças sociais e novos paradigmas foram incorporadas a vida destas populações, em vários sentidos e aspectos, inclusive nas liberdades individuais.

Em relação ao assunto iniciado, as superstições, são fatos completamente relevantes na nossa história. Os novos governos populares tomaram o poder para si e abandonaram a proposta socialista inicial. A fase burocrática das direções partidárias começou a afundar o sonho da sociedade igualitária, despertando nas populações um sentimento de repulsa e medo. A luta popular passaria a questionar os governos burocráticos e opressores. Na história das lutas socialistas aconteceu um infortúnio a cada vez que chegava o XIV congresso do Partido Comunista, fosse ele onde for.
 
Na ex-Tchecoeslovaquia, o governo comunista de Dubcek passava por um período de pressões populares. Há pouco havia substituído o antigo Secretário do PC tcheco que tentara um golpe militar, mas que tinha apoio popular. A população pressionava o governo por liberdades e pela criação de clubes e associações políticas livres. Moscou claro, não gostou muito da iniciativa que colocava em risco a "revolução socialista". Como resposta enviou militares e blindados para Praga, utilizando o acordo militar da região Pacto de Varsóvia. A população se organizou em defesa. Uma greve geral foi deflagrada e o XIV Congresso do PC tcheco foi realizado clandestinamente em uma fábrica, destituindo a direção burocrática e pró-Moscou do poder. Estes heróicos militantes acabaram sendo esmagados pelas forças russas.

Outro momento deste número ocorreu na ex-Iugoslávia. Havia um choque étnico entre sérvios e croatas, questão não resolvida que mais a frente foi  mais sangrenta. Milosevic, um líder populista e demagógico da Sérvia, habitualmente fazia um discurso de nacionalismo para os sérvios, perseguindo minorias de Kossovo e Montenegro que tinha origem albanesa. A repressão aumentava ao mesmo tempo em que o sentimento separatista ganhava corpo. Outras comunidades dentro da ex-Iugoslávia, como eslovenos, croatas e albaneses uniram-se. Em janeiro de 1989 os delegados da Croácia e da Eslovênia abandonaram o XIV Congresso do PC Iugoslavo, rachando definitivamente o partido. Milosevic não gostou e todos sabem da limpeza étnica que ele promoveu nos balcãs.

O ano também de 1989 reservou surpresas para a Hungria. Cisões, brigas internas, pressão popular, fizeram com que reformas acontecessem na economia húngara, levando a falência várias empresas estatais. Em março deste ano o governo autorizou a legalização de novos partidos políticos. Em outubro novas reformas foram aprovadas, inclusive eleições para a presidência que seria realizada no ano seguinte. Neste mesmo mês o Partido Socialista Operário Húngaro eliminou o termo Popular da denominação do país, deixando de ser República Popular da Hungria para tornar-se apenas República da Hungria. No XIV Congresso do PC Húngaro, chegaram ao limite do reformismo, se desintegrando, sendo transformados em PSH (Partido Socialista Húngaro). Novamente ocorreu no XIV Congresso. 

O número mágico voltou em cena mais uma vez no ano posterior, 1990, na comunista Bulgária. Aquela que sempre esteve ao lado de Moscou nos piores e melhores momentos. Dizia um ditado que quando chovia em Moscou, abriam-se guarda-chuvas em Sófia. Ainda continuava ecoando no Leste as vozes de Praga, as mudanças na Hungria, o racha na ex-Iugoslávia e outros movimentos contra partidos burocráticos. Novas forças políticas foram criadas, todas autorizadas pelo governo. As reformas propostas abriam o mercado interno para empresas privadas, iniciando a completa e irreversível desestruturação do Estado.

A crise era grande e no XIV Congresso do PC Búlgaro a agremiação mudou de nome, passando a ser denominado de Partido Socialista, defendendo um programa baseado no pluralismo político e na defesa dos direitos humanos. O caminho reformista estava também se consolidando no país, juntamente com a iniciativa privada. Embora na antiga URSS não tenha um grande fato popular que ocorreu no XIV congresso russo, não podemos esquecer que foi neste que o PCR converteu-se no Partido Comunista Unificado (PCU). No Brasil e na América do Sul os congressos ainda não atingiram esta quantidade, o que ainda pode reservar surpresas.

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